segunda-feira, 3 de novembro de 2008

(...) As Nuvens


Deixem que elas corram ao prazer do vento,
deixem-nas dispersar rente ao prado ondeante,
deixem que as espigas do meu pensamento,
debulhem uma intriga no teu seio de amante.

Que arrastem num grito a minha castidade,
que encham num beijo o amor e a solidão,
que nos lábios livres mordam a verdade,
e os laços se cortem onde aperto a paixão.

Deixem-nas cair onde eu vou beber a mágoa,
onde as espigas se soltam e me ferem o peito,
onde o chão somente rompe em pedras crespas.

Que afastem na aragem gotas de olhos de água,
se soltem correndo em lento e calmo leito,
e em pranto se forme um rio de ervas frescas.

Texto: Victor Gil

Fotografia: Pedro Gil

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A 10 Passos dos 90



A cidade é um labirinto que pisas lentamente.
As ruas rasgadas de pedras,
portas cercadas que não te deixam partir,
varandas sem grades sobre um rio de lama,
onde as gaivotas roçam as asas sem fugir.

Enquanto os homens alteram as fronteiras,
se rompem de espadas,
ou se ocultam no nome de um deus que consomes.
Entre os sítios talhados nas bermas das cidades,
vagueias nos dias de que não sabes os nomes.

Descobres no frio das tuas mãos,
uma calma medida,
o vagar dos dez passos que faltam,
para encerrar o muro onde se raspa a vida.


Texto: Victor Gil
Fotografia: Pedro Gil

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Os Gatos



Os gatos espiam-nos através da poeira dos vidros,
antevendo o momento
em que eu ocupo o teu lugar.
Alheios aos seios fáceis que me ofereces,
à púbis sedosa que eu penetro,
à boca molhada faminta de beijos,
à cama quieta onde espalhamos os gestos.



Texto: Victor Gil
Fotografia: Pedro Gil



sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Rumos



Lanço o meu olhar para além da breve poeira,
onde pardaceiam as silhuetas da orla da cidade.
Quantos se ausentam desejando outros rumos,
quantos procuram nas novas fronteiras,
com as ferramentas nas mãos,
as rotas derradeiras.

No lado de cá só os recortes das fachadas,
linhas cortando a brisa que incendeia a tarde.
Quantos se inventam nos cultos que jurámos,
quantos ocultam nas lutas que perdem,
as terras verdadeiras,
no sorriso dos que partem.

Não sei que pedras circundar para seguir outro caminho,
como é o sítio da gente nos mapas universais.
Prefiro rasgar de palavras a aragem do desatino,
onde as minhas mão sossegam
na brisa mansa dos devaneios.

Vou escolher ficar aqui sem rumo,
colhendo as amoras bravas dos teus seios.



Texto: Victor Gil
Fotografia: Pedro Gil

A Chegada...



Chego acenando ao cais das amarras vazias,
onde não existem marinheiros ancorados,
nem gruas ou guindastes,
nem tesouros em ilhas desertas,
nem barcos ou tempestades.

Por isso regresso sempre aqui com as ondas nos olhos,
ao aço frio das linhas confusas.
Onde as fragatas não têm velas,
as frotas estão sem arrais,
e os mastros sem caravelas.

Porque é aqui que eu quero o fim da minha jornada,
que agarro o leme do meu tempo,
que as minhas linhas se juntam
e sinto o cheiro da terra molhada.
É aqui o porto da minha chegada.


Texto: Victor Gil
Fotografia: Pedro Gil