quarta-feira, 28 de julho de 2010

Noite de Bruxas




Pisava pedras soltas, que brotavam,
a cada passo meu, na caminhada.
As mãos vazias, nadas que sangravam,
grotescos ritos nus na madrugada.

Bailavam vultos, clarões bruxuleantes,
rompem na noite as chamas da fogueira.
Os gritos, os uivos, gemidos dos amantes,
amando como se a vez fosse a primeira.

Voam morcegos sobre as árvores assombradas,
dançam à Lua, mariposas feiticeiras.
Andam as bruxas nos cruzeiros das estradas,
esvoaçam medos nos ramos das azinheiras.

Entre as silvas do caminho, saltam os sapos,
ouvem-se os mochos e as corujas a piar.
Grilam os grilos, ralam ralos, miam gatos,
uivam os cães e os lobos ao luar.

Noite das bruxas, meretrizes agoirentas,
ventres despidos, soltam brados na calada.
Rodando o corpo, em sinuosas danças lentas,
burlescos cultos nus na madrugada.


Texto: Victor Gil
Fotografia: Pedro Gil 

sexta-feira, 26 de março de 2010

Quantas Palavras


Quantas palavras preciso
para dizer tudo o que penso.
Quantas estrelas se dissolvem,
quantos rios esgotam águas,
quantas frases vacilantes
nos olhos que choram mágoas.

Quem tombará nos abismos
das ruas que agora piso.
Quem ficará preso às pedras,
quantos chegarão ao fundo,
quantos são amordaçados
nas nações livres do mundo.

Quantas quilhas vão romper
as águas fundas dos mares.
Quantos barcos vão ao fundo,
quantos sofrem abordagens.
quantos encalham na areia
dos baixios destas margens.

Quando irão romper no chão
somente roseiras bravas.
Quantos botões vão abrir,
quantas rosas são cortadas,
quantos braços vão crescer
com as folhas mutiladas.

Porque só nos aparecem
os deuses do apocalipse.
Quantos cultos professamos,
qual tem a voz da razão,
porque no eco dos templos
se apela à destruição.

Quantos homens vão morrer
até ser justa a verdade.
Quantos sonhos toleramos,
quantas mentiras nos ditam,
quantos perdem o sorriso
nas mãos de quem acreditam.

Qual o caminho a seguir
neste turbilhão andante.
Qual é a pátria da gente,
quais as lutas verdadeiras,
quantos mais irão tombar
nas batalhas derradeiras.

Nas cartas universais,
quem vai marcar as fronteiras?

Texto: Victor Gil
Fotografia: Pedro Gil

sábado, 13 de fevereiro de 2010

A Saudade

 


Onde quer que viva a saudade,
vou levar-te no meu peito,
violar as janelas indiscretas que me espiam,
urdir uma teia de cortinas,
quebrar os vidros,
voar sobre os telhados.

Sem ter os teus seios,
os teus braços,
sem que o teu corpo me acoite.
Mas por fim regresso sempre aqui,
seduzido pelas luzes da noite,
sentindo a vertigem dos gritos da cidade.

Enquanto os meus olhos voam,
para lá,
para onde mora a saudade.


Texto: Victor Gil 
Fotografia: Pedro Gil

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Apenas um Soneto



Corre-me um rio no coração encravado,
torrente aonde empurro a minha vida,
o vento forte de uma terra prometida,
as velas soltas do meu barco fundeado.

Sou somente a luz acesa, um sol ausente,
a voz do mar nas rochas e nas marés,
quando as ondas vêm bater nos meus pés,
e nos braços se enrola a areia quente.

Mas se as rochas despedaçarem o meu canto,
ou o sal se confundir com o meu pranto,
para depois a corrente me arrastar.

Ficam na praia apenas as mãos acenando,
as silhuetas das sombras vagueando,
enquanto a noite pede à Lua para voltar.



Texto: Victor Gil
Fotografia: Pedro Gil